Análise Técnica do Efeito Diesel em Sistemas de Refrigeração e Ar Condicionado

 

 

Introdução

O fenômeno denominado "Efeito Diesel" em sistemas de Refrigeração e Ar Condicionado (RAC) tem sido objeto de discussões frequentes, especialmente em plataformas digitais e fóruns técnicos. Este artigo visa analisar, sob uma perspectiva técnica, a natureza desse efeito, os pré-requisitos para sua ocorrência, os cuidados preventivos e a validade das alegações que associam explosões em compressores unicamente a este mecanismo.

O Princípio do Ciclo Diesel e a Autoignição

O termo "Efeito Diesel" é uma analogia ao princípio de funcionamento dos motores de combustão interna de ciclo Diesel. Diferentemente dos motores Otto (a gasolina), que empregam uma centelha elétrica para iniciar a combustão, os motores Diesel operam por autoignição. O ciclo termodinâmico pode ser resumido em:

  1. Admissão: O pistão move-se para baixo, e a válvula de admissão se abre, permitindo que ar atmosférico (comburente) preencha o cilindro.
  2. Compressão Adiabática: Com as válvulas fechadas, o pistão ascende, comprimindo o ar a uma taxa elevada. Essa compressão adiabática (ou politrópica real) eleva a temperatura do ar a níveis superiores à temperatura de autoignição do combustível Diesel (tipicamente entre 250-350°C para o óleo Diesel, mas a temperatura do ar comprimido pode alcançar 700-900°C).
  3. Combustão (Injeção e Autoignição): Próximo ao ponto morto superior do pistão, óleo Diesel finamente pulverizado é injetado sob alta pressão na câmara de combustão. O contato do combustível com o ar superaquecido provoca sua vaporização e subsequente autoignição, sem necessidade de fonte externa de ignição. A expansão rápida dos gases resultantes impulsiona o pistão para baixo, realizando trabalho.
  4. Exaustão: O pistão retorna, expelindo os gases da combustão através da válvula de exaustão.

Um fator crítico para a combustão eficiente no ciclo Diesel é a presença de uma quantidade adequada de oxigênio (ar) para reagir com o combustível.

Transposição do Conceito para Sistemas de Refrigeração

Compressores utilizados em sistemas RAC de expansão direta ("splits"), majoritariamente do tipo rotativo, scroll ou alternativo hermético, operam sob princípios mecânicos distintos dos motores a pistão Diesel. Contudo, ambos são dispositivos de elevação de pressão. A questão central é se as condições para autoignição podem ser replicadas em um compressor de refrigeração.

Para que um fenômeno análogo ao "Efeito Diesel" ocorra em um compressor RAC, dois fatores são indispensáveis:

  1. Presença de Mistura Combustível-Comburente: Uma quantidade significativa de oxigênio (ar atmosférico como comburente) e uma substância combustível (tipicamente óleo lubrificante vaporizado ou pulverizado, e potencialmente o próprio fluido refrigerante se este for inflamável) devem estar presentes na câmara de compressão.
  2. Temperatura de Autoignição: A compressão dessa mistura deve ser capaz de elevar sua temperatura até o ponto de autoignição do combustível presente.

Análise de Viabilidade em Sistemas RAC

  • Presença de Ar: Mesmo em casos de negligência no processo de evacuação (vácuo), a quantidade residual de ar (não condensáveis) em um sistema hermético é geralmente muito baixa para sustentar uma combustão vigorosa. A estequiometria da reação de combustão exige uma proporção específica de ar para combustível, que dificilmente seria atingida.
  • Inflamabilidade de Fluidos Refrigerantes: Fluidos como o R410A (mistura HFC: 50% R32 e 50% R125) contêm R32, que é classificado como A2L (baixa toxicidade, levemente inflamável). Argumenta-se que o fracionamento da mistura devido a vazamentos poderia aumentar a concentração de R32. No entanto, a autoignição, por definição, requer oxigênio. A presença de R32, mesmo em concentrações elevadas, não levará à autoignição na ausência de um comburente e da temperatura de autoignição específica da mistura R32/óleo/ar. Sistemas dedicados ao R32 puro operam com segurança, indicando que o refrigerante em si, sob condições projetadas, não causa autoignição.
  • Ingresso de Ar por Vazamentos: A admissão de ar em um sistema só ocorre se a pressão interna tornar-se subatmosférica (vácuo). Isso implicaria um vazamento substancial de fluido refrigerante. Mesmo assim, o volume de ar admitido antes da equalização de pressão ou durante o recolhimento seria limitado. Adicionalmente, a descarga do compressor em sistemas RAC é tipicamente conectada a um volume considerável do sistema (linha de descarga, condensador), o que tenderia a amortecer picos de pressão, diferentemente da câmara selada de um motor Diesel no ponto de ignição. Uma explosão por sobrepressão devido à compressão de não condensáveis é um risco, mas distinto da autoignição.
  • Recolhimento de Fluido Refrigerante: Este procedimento é o cenário teoricamente mais plausível, embora ainda de baixa probabilidade. Se, durante o recolhimento, o compressor aspirar um volume significativo de ar simultaneamente com resíduos de óleo, e se a descarga estiver obstruída ou o volume do cilindro de recolhimento for pequeno e rapidamente pressurizado, as condições poderiam, em tese, aproximar-se das necessárias. Contudo, a compressão teria que ser suficientemente rápida e a taxa de compressão alta o suficiente para atingir a temperatura de autoignição da mistura ar/óleo, o que é improvável em compressores rotativos ou scroll operando dentro de seus envelopes de projeto. Para uma explosão por autoignição, seria necessário um preenchimento substancial da câmara de compressão com uma mistura próxima da estequiométrica e um bloqueio quase total da descarga para gerar a compressão adiabática necessária.

Diferenciação de Outros Fenômenos de Combustão: A Tríade do Fogo

É crucial distinguir a autoignição (Efeito Diesel) de uma combustão iniciada por centelha. Se houver faiscamento elétrico (por exemplo, em terminais do compressor, protetor térmico, ou internamente devido a desgaste severo) na presença de uma mistura inflamável (R32 + óleo + oxigênio), pode ocorrer uma deflagração. Este evento é governado pela "Tríade do Fogo": * Combustível: R32 e/ou óleo lubrificante. * Comburente: Oxigênio (do ar infiltrado). * Fonte de Ignição: Centelha elétrica ou superfície extremamente quente (acima da temperatura de ignição por contato, que é diferente da autoignição). Na ausência de oxigênio suficiente, mesmo com R32 e uma fonte de ignição, a combustão não se sustenta ou não ocorre.

Conclusões Técnicas

  1. A ocorrência do "Efeito Diesel" clássico (autoignição por compressão adiabática de uma mistura ar/óleo) em compressores de sistemas RAC é um evento de probabilidade extremamente baixa nas condições operacionais e de falha usuais. As concentrações de oxigênio, as taxas de compressão e as temperaturas atingidas raramente convergem para os limiares críticos simultaneamente.
  2. Incidentes envolvendo combustão ou "explosões" em compressores RAC são mais frequentemente atribuíveis a:
    • Ignição por Centelha: Em presença de fluido refrigerante inflamável (A2L, A3), ar (oxigênio) e uma fonte de ignição.
    • Procedimentos Perigosos: Testes de estanqueidade com oxigênio puro ou ar comprimido não desidratado e a pressões excessivas (risco de ruptura mecânica e, na presença de óleo, combustão violenta catalisada pelo oxigênio).
    • Operação com Válvulas de Bloqueio Fechadas: Conduzindo a pressões e temperaturas de descarga excessivas, podendo causar falha mecânica ou degradação e ignição do óleo, especialmente se houver contaminação por ar.
    • Contaminação Química: Presença de contaminantes que possam reagir exotermicamente ou reduzir a temperatura de ignição do óleo/refrigerante.

Considerações Finais

A compreensão técnica dos fenômenos de combustão é vital. Embora o "Efeito Diesel" seja teoricamente concebível sob um conjunto muito específico e improvável de circunstâncias, a ênfase na segurança deve recair sobre a prevenção da contaminação por ar, o manuseio correto de fluidos refrigerantes inflamáveis, a eliminação de fontes de ignição e a adesão estrita às boas práticas de refrigeração e aos procedimentos de manutenção recomendados pelos fabricantes e normas técnicas. A intenção deste artigo é esclarecer os mecanismos envolvidos, e não minimizar a importância da diligência e do rigor técnico na execução de serviços em sistemas RAC.

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Palavras Chave: Efeito Diesel, R410a, explosão, Ar Condicionado, Fluido.

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REFERÊNCIAS:

BLOG DO TAKAO. Motor a diesel: saiba como funciona e quais as suas características. Disponível em: https://blog.takao.com.br/motor-a-diesel-como-funciona/. Acesso em: 07 jan. 2020

FISPQ CHEMOURS. Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico. Freon R410a. Versão 4.6.2020. Chemours. 2020

 CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE GOIÁS. Fundamentos de Combate a Incêndio. 2016. Disponível em: https://www.bombeiros.go.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/cbmgo-1aedicao-20160921.pdf. Acesso em: 07 jan. 2020.

 

André Quelian Bezdiguian

Sócio Proprietário da empresa KLIMAN HVACR

Especialista em Refrigeração, Ventilação e Ar Condicionado.

CREA 5070265738




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